Um desconhecido pela maior parte do público consumidor de seguros, o resseguro é certamente um importante elemento do mercado segurador.
Se o mercado segurador consegue honrar seus compromissos diante de cenários com grandes perdas ou ofertar condições de cobertura e preço atraentes ao consumidor final, é porque nos bastidores há a atuação onipresente do resseguro.
O resseguro pode ser definido como um recurso utilizado pelas seguradoras para atingir três objetivos elementares:
- Diluir suas possíveis obrigações indenizatórias no futuro: uma companhia seguradora deve prezar pela sua estabilidade econômico-financeira, logo medidas que visem diminuir sua exposição aos riscos são sempre bem-vindas.
- Subscrever riscos que estejam além de sua capacidade de aceitação: a divisão de riscos com uma companhia resseguradora permite que a seguradora atenda demandas que ela sozinha não conseguiria, seja pela falta de capacidade financeira ou mesmo pouca expertise diante do risco.
- Proteger seus resultados contra cenários de grandes perdas: catástrofes naturais ou qualquer outro evento que gere grandes obrigações indenizatórias são sempre temidos no mundo dos seguros. Com isso, um programa de resseguros bem desenhado é essencial para evitar que a solvência de uma companhia seja abalada por isso.
Quando uma companhia faz um resseguro, ela está cedendo uma parcela do risco aceito para uma companhia denominada resseguradora.
Até 2007, o único ressegurador autorizado a operar no Brasil era o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), sendo por quase setenta anos um monopólio nesse setor.
Com a edição da Lei Complementar 126, que promoveu alterações nos marcos legais do setor, houve a abertura do mercado de resseguros brasileiro, permitindo a entrada de novos players que atendam a determinados critérios estabelecidos pela SUSEP.
Mais recentemente, o governo aumentou o limite de cessão de riscos para resseguradores eventuais de 10% para 95%, medida que visa fomentar a concorrência entre os players e dar maiores possibilidades de pulverização de riscos aos seguradores.
Existem basicamente dois tipos de contrato, duas formas de contratação e quatro modalidades de resseguro.
No entanto, como o contrato de resseguro é atípico (não é previsto ou regido por norma jurídica específica) e sem a presença do elemento da hipossuficiência (não é um contrato com parte leiga, já que ambos possuem conhecimento suficiente sobre as nuances do tema), é permitida a livre negociação dos termos entre segurador e ressegurador, podendo resultar em variações não previstas aqui.
Tipos de contrato
Proporcional: resseguro onde há a distribuição das participações entre segurador e ressegurador nos prêmios, importâncias seguradas e eventuais indenizações segundo percentuais estabelecidos em contrato.
Não proporcional: resseguro onde não se segue o critério de distribuição de participações de segurador e ressegurador explicado anteriormente.
Formas de contratação
Automático: resseguro onde fica definida a cessão automática de uma parcela dos riscos de uma carteira para o ressegurador, a partir do momento em que cada risco proposto é aceito pelo segurador.
Facultativo: resseguro contratado para riscos específicos, negociados individualmente com o ressegurador.
Modalidades de resseguro
Quota Share
Resseguro proporcional onde são definidos previamente percentuais de participação do segurador e ressegurador no risco proposto, aplicando-os nos prêmios, importâncias seguradas e eventuais indenizações.
Exemplo:
- Importância segurada: R$ 2.000.000
- Prêmio: R$ 2.500
- Indenização gerada por sinistro: R$ 500.000
Contrato Quota Share define 50% para o ressegurador e 50% para o segurador. Com isso, temos:
- IS retida pelo segurador: R$ 1.000.000
- IS cedida para o ressegurador: R$ 1.000.000
- Prêmio retido: R$ 1.250
- Prêmio cedido: R$ 1.250
- Indenização paga pelo segurador: R$ 500.000
- Indenização recuperada pelo segurador junto ao ressegurador: R$ 250.000
O Quota Share é muito comum em programas de seguro para riscos grandiosos, onde se faz necessária a contratação de resseguro próprio (facultativo), mas também pode estar presente em carteiras de riscos menores.
Sur Plus
Resseguro proporcional onde fica definido que quando a importância segurada de um risco ultrapassar a capacidade de retenção do segurador, o excedente será assumido pelo ressegurador, respeitado o limite denominado retenção bruta.
A partir disso, geram-se os respectivos percentuais de participação do segurador e do ressegurador no risco, que serão aplicados nos prêmios, importâncias seguradas e eventuais indenizações.
Exemplo:
Plano de resseguro Sur Plus possui os seguintes termos:
- Retenção líquida do segurador: R$ 1.000.000
- Limite ofertado pelo ressegurador: R$ 4.000.000
- Retenção bruta: R$ 5.000.000
Importância segurada proposta: R$ 3.000.000
- IS retida pelo segurador: R$ 1.000.000
- IS cedida ao ressegurador: R$ 2.000.000
Note que 33,33% do risco está retido pelo segurador, enquanto 66,66% está cedido ao ressegurador. Logo, esses percentuais se aplicarão no prêmio e nas eventuais indenizações.
Como podemos perceber, esses percentuais variarão conforme a importância segurada proposta e o limite de retenção estabelecido, ao contrário do que se observa na modalidade Quota Share, onde os percentuais já estão previamente fixados em contrato.
O Sur Plus está muito presente em carteiras inteiras de seguros massificados, onde há a necessidade de se aceitar riscos em larga escala, porém sem abrir mão do estabelecimento de limites de responsabilidade para o segurador, de forma a diminuir sua exposição.
Excess of Loss
Resseguro não proporcional onde fica estabelecido que o segurador irá assumir indenizações dentro da sua capacidade de retenção, e aquilo que superar será pago pelo ressegurador.
Exemplo:
Resseguro Excess of Loss de R$ 5.000.000 com excesso estabelecido em R$ 2.000.000.
- Indenização de R$ 3.000.000: R$ 2.000.000 assumido pelo segurador e R$ 1.000.000 de responsabilidade do ressegurador.
- Indenização de R$ 1.500.000: totalmente assumido pelo segurador.
É comum encontrarmos um Excess of Loss contratado para coberturas específicas de um produto, de forma a respaldar o segurador caso haja acionamento de uma mesma cobertura por vários segurados de sua carteira (na ocorrência de um vendaval que danifica várias residências seguradas, por exemplo).
Stop Loss
Resseguro não proporcional onde fica estabelecido que o ressegurador irá assumir perdas relativas a desvios na sinistralidade média do segurador.
Exemplo:
Suponhamos que um segurador possua resseguro stop loss para uma faixa de sinistralidade de 80% a 120%.
Se sua sinistralidade adentrar essa faixa, ele poderá acionar seu resseguro de forma a compensar as indenizações pagas que estejam abrangidas por esse espectro.
Ou seja, se houver uma sinistralidade de 100%, as indenizações correspondentes ao espectro 80% a 100% serão recuperadas por meio do resseguro.
É normalmente contratado pelo segurador para proteção de seus resultados em cenários de grandes perdas.
Dentro da realidade de uma companhia, os contratos de resseguro são feitos de forma simultânea e muitas vezes estão interligados, criando o que chamamos de layers (camadas), onde existem vários níveis de resseguro que se sobrepõem e que constituem um programa.
Para o profissional de seguros, entender princípios elementares do resseguro e sua influência sobre o produto final é de suma importância para compreender o pleno funcionamento do mercado e seus respectivos movimentos.
Um comentário em “Mas afinal, o que é resseguro?”