Sou um assinante da Netflix.
Há um bom tempo não assistia algo da plataforma de streaming. Por opção mesmo.
Nada que me era apresentado despertava meu interesse genuíno em assistir.
Acho que talvez a plataforma poderia ter um pouco mais de atenção ao redigir as descrições que acompanham os títulos. Elas são muito genéricas e pouco atraentes (e convenhamos, num estilo meio enfadonho de ‘Sessão da Tarde’).
Sinto também que a mesma está pecando na periodicidade da renovação de seu catálogo, mantendo determinados filmes e séries por muito tempo, enquanto outros são removidos repentinamente.
Num desses dias, surgiu na minha tela a série ‘Na Rota do Dinheiro Sujo’.
Nunca tinha ouvido falar, mas resolvi dar uma chance.
Eu já assisti a uma quantidade razoável de filmes e séries sobre política e negócios.
Gostei de muitos, outros tive minhas ressalvas (questões de atuação, enredo não trabalhado da melhor maneira, cronologia confusa, etc.), enquanto alguns se revelaram desagradáveis por explicitamente terem a intenção de forçar uma narrativa que favoreça uma determinada ideia ou personalidade, com aquela roupagem falsa e mal-feita de isentismo (em outras palavras, um conteúdo “chapa branca”).
Pouco depois, notei que o diretor (Alex Gibney) é o mesmo de “Enron: Os mais espertos da sala”, excelente documentário sobre um dos escândalos corporativos mais icônicos da história dos Estados Unidos. Minhas expectativas aumentaram.
E devo dizer: ‘Na Rota do Dinheiro Sujo’, inesperadamente, entrou para a minha relação de filmes e séries sobre negócios que gostei muito.
A série aborda de forma bem didática diversos cases que passam pelo terreno da moralidade nos negócios, suscitando o questionamento: até onde é permitido ir visando o aumento do lucro ou valorização das ações de um negócio?
Para isso, a série conta com relatos de pessoas ligadas direta ou indiretamente à situação, como consumidores lesados, ex-funcionários dessas empresas, autoridades do poder judiciário e profissionais do mercado financeiro que durante um bom tempo analisaram esses negócios.
No entanto, chamo a atenção para um episódio específico.
Falo do episódio sobre o HSBC, que versa a respeito do comprovado e confessado envolvimento da instituição em lavagem de dinheiro de narcotraficantes dos cartéis mexicanos, bem como a conivência com transações bancárias de entidades financiadoras do terrorismo e que constavam em severas listas de sanções nacionais e internacionais.
Em 2002, o HSBC faz a aquisição do Banco Bital, instituição financeira muito presente na região mexicana de Sinaloa, onde existe alta presença do narcotráfico.
Na época, o negócio foi muito celebrado, já que era do interesse do conglomerado multinacional expandir suas operações no México.
No entanto, é ali que se inicia uma escalada de ilegalidades financeiras.
De acordo com informações do documentário, estima-se que pelo menos 881 milhões de dólares oriundos da venda de drogas dos cartéis mexicanos tenham sido injetados no sistema financeiro e lavados por intermédio da filial mexicana do HSBC, chegando posteriormente em unidades do banco de outros países.
Aponta-se a negligência de executivos de alto escalão, a recorrência das irregularidades, bem como a perversa iniciativa de montar departamentos de compliance de fachada, sem qualquer poder na organização, com o único propósito de acalmar as autoridades financeiras e evitar a debandada de acionistas e prejuízos de imagem.
Com extrema competência, a série deixa evidente a ligação entre pessoas assassinadas pelos cartéis de drogas e aqueles que dão suporte ao poder econômico que eles possuem.
No final, mesmo com a apresentação de fatos e evidências que seriam suficientes para prender diversos executivos e até mesmo eliminar a presença do banco em solo americano, o desfecho não é o mais adequado: apenas algumas multas de bilhões de dólares, penalidades brandas se levarmos em consideração os resultados anuais do banco.
Para quem se interessa pelo tema de crimes financeiros e quer entender a importância do combate ao crime de lavagem de dinheiro, vale a pena assistir.