WeWork: um case a ser estudado pelas escolas de administração e finanças

Saindo um pouco do universo dos seguros, hoje resolvi trazer ao blog um case de negócio em crise que é atual e cujos próximos capítulos só o futuro nos revelará: a WeWork.

Dependendo do momento em que você estiver lendo esse post, as informações podem estar desatualizadas ou precisando de algum complemento, já que se trata de um case recente.

Afinal, o que é a WeWork?

A WeWork é uma empresa americana de escritórios compartilhados que fornece espaços de trabalho para startups da área de tecnologia e outras empresas.

Fundada em 2010, nasceu na esteira da crescente tendência de coworking (vários negócios ocupando o mesmo espaço de escritório) e do alto custo para aquisição e manutenção de espaços comerciais próprios.

Seu público-alvo desde o início foi a juventude tecnológica e universitária, muito seduzida pelo clima disruptivo e inovador de startups que podem vir a ser empresas que valem bilhões.

A WeWork se valeu também do cenário pós-crise de 2008, onde pessoas com relativa estabilidade financeira procuravam lugares para instalar seus pequenos negócios após o desemprego que assolou os Estados Unidos.

A empresa parecia que iria triunfar sem qualquer tipo de dificuldade, pois a conjuntura a favorecia. Faturou 75 milhões de dólares em 2014 e num espaço de 4 anos evoluiu para 1,8 bilhão de dólares.

No entanto, um conjunto de fatores trataram de colocar em xeque a sustentabilidade do negócio.

Um IPO frustrado, um CEO com comportamentos questionáveis, supervalorização de valor de mercado e estratégias de alto risco, entre outras questões.

Daqui a alguns anos, a WeWork muito provavelmente será objeto de estudo de gerações de administradores de empresas, executivos de finanças e o mundo corporativo de maneira geral.

Vamos aos problemas que considero que foram definidores para a derrocada da WeWork.

Problema número 1: Estratégia de administração de ativos imobiliários muito arriscada

Apesar de disponibilizar espaços nos endereços mais prestigiados em cerca de 30 países, a WeWork não é proprietária de grande parte desses imóveis.

Ela, na verdade, é inquilina dos prédios comerciais e lajes corporativas ofertados em seu portal.

Ao disponibilizar esses espaços aos seus clientes, ela está realizando uma prática que no mercado imobiliário atende pelo nome de sublocação.

Em termos mais simples: quem é cliente da WeWork é “inquilino” dela num espaço onde a própria WeWork é inquilina perante o real proprietário desse espaço.

Sejamos justos: a estratégia parece correta do ponto de vista da maior flexibilidade para a empresa remanejar seus ativos imobiliários caso seja necessário, além de não se submeter às possíveis oscilações de mercados imobiliários de várias partes do mundo e tributações ligadas à posse de imóveis.

No entanto, ao decidir ser inquilina de uma série de espaços ao invés de usar o capital de investidores para aquisições imobiliárias, a WeWork admitiu obrigações fixas em larga escala e de longo prazo (a vigência média dos contratos é de 15 anos).

Para que essas despesas fossem honradas sem prejuízo de seu caixa, era imprescindível o sucesso da estratégia comercial para sublocar esses espaços, não sendo admissíveis grandes vacâncias.

Mesmo com a vacância de um espaço em nível elevado, a WeWork teria que fazer uso de recursos de seu caixa para honrar suas obrigações com o proprietário desse imóvel, não importando se sua operação naquele espaço está boa ou ruim.

E isso foi algo decisivo para penalizar sua saúde financeira. A vacância veio. E com ela, o consumo excessivo de recursos em caixa.

Problema número 2: Inflacionamento do seu valor de mercado

A WeWork chegou a ser avaliada em 47 bilhões de dólares pela SoftBank, grupo japonês que investiu 7,5 bilhões, otimista com as expectativas do negócio.

Algumas pessoas ligadas ao mercado financeiro e especializadas em valuation de empresas defendiam a tese de que o negócio estava claramente supervalorizado, alegando também um conflito de interesses nessa questão, pois a SoftBank é praticamente a única investidora da We Company (holding da WeWork) desde 2016.

O IPO da empresa parecia certeiro e especulava-se que seria o destaque do ano de 2018.

No entanto, quando os analistas se debruçaram sobre os balanços da empresa, questionaram a sua saúde financeira e revisaram suas convicções sobre a real lucratividade do negócio.

Revelou-se que a empresa operava no vermelho em 2018, com 1,9 bilhão de despesas versus 1,8 bilhão de receita.

O então CEO da companhia, Adam Neumann, ao ser questionado porque o valor de mercado que foi atribuído à empresa era de um patamar muito superior em comparação ao seu real fluxo de caixa, disse que o valor da empresa estava mais ligado ao seu tamanho e espiritualidade do que à receita.

O mercado não reagiu bem e isso reforçou uma postura de ceticismo em relação ao negócio, resultando no adiamento e posterior cancelamento do IPO.

Problema número 3: Casos explícitos de conflito de interesses

Foi noticiado pelos periódicos internacionais que Neumann, sendo proprietário de alguns prédios comerciais, tratou de promover a locação desses espaços para a própria WeWork, contando inclusive com linhas de crédito para isso.

Um flagrante e incontestável conflito de interesses: ao mesmo tempo em que ocupava um cargo cujas decisões tomadas deveriam levar em consideração apenas os legítimos interesses de acionistas da WeWork, ele firmava contratos que tratariam de beneficiar o seu patrimônio pessoal.

Em outra situação do mesmo tipo e vista até como bizarra, Neumann cobrou royalties de cerca de 6 milhões de dólares da própria empresa que presidia. O motivo? Direitos de uso da marca “We”, cuja propriedade intelectual está registrada no nome de uma outra empresa em que ele é sócio.

Consequentemente, os investidores concluíram de forma rápida que ele teria tido a pretensão de utilizar a injeção de capital de um IPO para benefício próprio.

Situações de conflitos de interesses, quando não gerenciadas da forma correta, são vistas de forma negativa pelo mercado, pois transmitem falta de profissionalismo.

Problema número 4: Crise de imagem

Com sua capacidade de persuasão e perfil jovem e descolado, Neumann conseguiu convencer parte considerável do mercado em entrevistas e palestras que tinha o negócio do futuro em mãos, precisando apenas da iniciativa dos investidores de colocar seu dinheiro nele.

Mas temos o outro lado da história: vender mundos e fundos para as pessoas e depois frustrar as expectativas das mesmas nunca é um bom negócio. Sua credibilidade é colocada em xeque e talvez demore muito para retomá-la.

Ex-funcionários alegam que Neumann promovia festas no ambiente de trabalho, não raramente com a presença de drogas e álcool, inclusive durante reuniões.

Funcionários também teriam sido demitidos a mando do próprio por motivos banais ou sem qualquer explicação plausível, levantando questionamentos sobre seu profissionalismo.

Crises de imagem envolvendo pessoas-chave de companhias nunca são bem recepcionadas pelo mercado, pois isso se traduz em instabilidade e sua possível influência sobre a gestão é uma grande incógnita.

Qual será o futuro da WeWork?

Após a renúncia de Neumann pelos motivos apresentados acima, dois executivos-chave da companhia, Artie Minson e Sebastian Gunningham, assumiram conjuntamente a função de CEO num esforço para salvá-la.

O foco de ambos está direcionado na contenção de despesas, revisão de contratos de locação e venda de ativos não essenciais, de forma a reverter o negativo fluxo de caixa, pois o mercado estima que a companhia ficará insolvente já no início de 2020 se nada de relevante for feito.

Demissões são consideradas, estimando-se um percentual de 10 a 25% do quadro de funcionários atual.

Há ainda a possibilidade da retomada dos planos do IPO, porém com uma avaliação mais modesta: 10 bilhões de dólares.

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