O grande incêndio de Londres em 1666: o estopim da criação do seguro patrimonial da forma como conhecemos hoje

Em 1666, uma pequena fagulha em uma padaria deu início a um dos maiores incêndios da história, cuja duração foi de quatro dias ininterruptos e deixou um imenso rastro de destruição no centro de Londres.

O incêndio destruiu a maior parte da região central da cidade, atingindo cerca de 13 mil casas, 87 igrejas, 44 prédios públicos e a Catedral de Saint Paul, além de um alto número de vítimas segundo historiadores e pesquisas atuais, contrariando os registros oficiais do evento.

As edificações do período eram construídas predominantemente com madeira, e não tinham o mínimo de preparo para lidar com incêndios.

As técnicas de combate aos incêndios também eram muito primitivas, consistindo na demolição de edificações comprometidas pelo fogo para impedir que ele se alastrasse para as vizinhas.

As ruas eram estreitas pela arquitetura medieval que a cidade possuía, dificultando o acesso em caso de emergências.

Não se sabe ao certo a dimensão do prejuízo patrimonial, já que os registros em papel eram muito imprecisos e também foram dizimados pelo fogo, mas estima-se que o mesmo foi de cerca de £ 10 milhões, o equivalente a £ 1,5 bilhão em valores atualizados.

Além da extensão dos danos patrimoniais, outros problemas começaram a aparecer em outras esferas.

Problemas econômicos

Com exceção da nobreza e da burguesia comerciante, a população londrina no século XVII era majoritariamente pobre e ainda se recuperava da recente guerra civil (após um curto período republicano de instabilidade política e religiosa) e da peste bubônica, doença que assolou o continente europeu e vitimou cerca de 68 mil pessoas em Londres.

A prefeitura da cidade, por sua vez, não tinha um plano econômico de emergência para cobrir um evento danoso dessa magnitude, somada à negligência das autoridades para mediar a crise instalada pela ocorrência do incêndio.

Houve uma paralisia no sistema financeiro e na economia local, já que o fogo consumiu a sede aduaneira e o Royal Exchange, o principal centro comercial da cidade, além da destruição de armazéns que continham produtos de grande valor econômico para a época, como especiarias e chá, comprometendo o comércio marítimo.

Mercado imobiliário

Naquele período, os contratos de locação delegavam a responsabilidade de reparos para os inquilinos, e não para os proprietários, além de alguns que não previam claramente quem era o responsável por essa questão.

Não havendo mecanismos para respaldar os inquilinos, os mesmos foram obrigados a pagar os aluguéis enquanto as propriedades eram reconstruídas.

Tal situação insustentável acabou ensejando várias disputas judiciais, chegando a ser criada uma “Corte do Incêndio” de forma extraordinária em 1667, que tinha como objetivo resolver as controvérsias a respeito das reconstruções.

A solução

No entanto, o grande incêndio de Londres motivou algo positivo: ele foi o estopim para o início de um crescimento meteórico do mercado segurador britânico e do desenvolvimento dos seguros patrimoniais massificados da forma como conhecemos hoje, bem como o aumento generalizado do interesse por seguros.

Em 1680, foi fundada a primeira companhia de seguros, cujo nome era ‘Fire Office’, criada por Nicolas Barbon. Abaixo, uma das primeiras apólices de seguro residencial que se tem registro.

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Apólice de seguro residencial emitida pelo Sun Fire Office, com assinatura do próprio Nicolas Barbon. Fonte: Acervo Digital do Museu de Londres, acessível através de https://collections.museumoflondon.org.uk/online/object/119408

O mercado ganhou força, com a abertura de novos escritórios de seguradoras na cidade.

Em 1690, uma em cada dez casas em Londres já era segurada, um notável avanço em comparação ao cenário de ausência de prevenção que antecedeu o grande incêndio.

Para agir em caso de incêndios e realizar a contenção de danos, as seguradoras passaram a constituir suas próprias brigadas e criaram o instrumento das “marcas de fogo” nas casas, para identificar quais eram seguradas por cada companhia.

Com isso, passou a existir também colaboração entre o mercado. As seguradoras frequentemente faziam acordos recíprocos de reembolso entre si, de modo que se a brigada de uma seguradora apagasse um incêndio de uma propriedade segurada por outra, ela seria reembolsada.

O Sun Fire Office, emissor das primeiras apólices de seguro patrimonial, mais tarde se tornaria a Royal Sun Alliance, que existe até hoje como RSA Insurance Group.

Em 1720, 17 mil apólices foram emitidas pela companhia, gerando £ 10 milhões em prêmio agregado, montante que já seria suficiente para cobrir o valor estimado dos prejuízos na época do incêndio.

Atualmente, o mercado segurador britânico é referência mundial em termos de metodologias para análise, mitigação e cobertura de riscos, continuamente aprimorando esses conhecimentos técnicos através de estudos e experiência adquirida sobre os riscos.

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